Pregamos para convertidos. Defendemos ideias e repercutimos teorias dentro de nossas bolhas. Raramente mudamos a opinião dos outros, da mesma forma que costumamos carregar nossas convicções contra concepções que já refutamos. No ambiente da previdência complementar fechada, isso sempre me pareceu especialmente marcante. Quem vai a um evento de previdência senão aqueles que trabalham na área, ou que se preocupam com seu futuro financeiro?

Como chegar aos que não pensam sobre o assunto? Esta questão é muito mais intrigante. Isso me remete a algumas citações que fui colecionando ao longo do tempo, vou escrever usando palavras e ideias que não são minhas.

Primeiro, para falar de poupança enquanto fenômeno coletivo, “a experiência de nações com bem-estar é por demais curta”. E sob o ponto de vista individual, “antes de um homem tentar proteger-se de mudanças repentinas em sua situação econômica, ele deve ter alguma coisa de seu para proteger. [...] Aqueles que trabalham diariamente na luta pela sobrevivência não se preocupam com a velhice, pois não esperam alcançá-la. Quando a expectativa de vida normal é muito baixa, doença e morte são consideradas fatos normais. Aumentando o bem-estar, as pessoas descobrem, cedo ou tarde, que têm algo a proteger. [...] À medida que o salário real do trabalhador aumenta, e que a obtenção de emprego se torna mais certa, o desemprego e a falta de renda adquirem, pelo contraste, características de algo horrível. Aumentando a renda, passa a ser possível pensar também na velhice”. (John Kenneth Galbraith, em A sociedade afluente).

Então a concepção de estado social emerge meramente para negociar compromissos e buscar coesão entre o “Iiberal moralismo dos filantropos” e o “socialismo dos ‘distributivistas’” (Robert Castel, As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário)? Ou a formação de sistemas previdenciários é realmente um tema estratégico e fundamental, pois “qualquer deslocamento no centro de gravidade demográfica altera a sociedade, sua índole, seu temperamento, seus valores e ainda suas instituições” (Peter Drucker, A revolução invisível: como o socialismo fundo de pensão invadiu os Estados Unidos)?

Quando entra em cena a polarização entre estado mínimo ou estado social, sistemas públicos obrigatórios de previdência por repartição ou regimes privados totalmente capitalizados, a lição é que esferas pública e privada não devem estabelecer relação conflitiva, mas de harmoniosa coexistência (Hannah Arendt, A condição humana).

Voltamos ao ponto de vista estritamente individual: “A previdência, que implica fazer coisas desagradáveis agora em favor de coisas agradáveis no futuro é uma das características essenciais do desenvolvimento mental. Uma vez que a previdência é difícil e exige controle de impulsos, os moralistas acentuam a sua necessidade, e dão mais ênfase à virtude do sacrifício presente do que às excelências da recompensa subsequente. Devemos agir corretamente porque é certo agir assim, e não para ganhar o céu. Devemos poupar porque todas as pessoas sensatas assim o fazem, e não porque possamos acumular uma renda que nos permita gozar a vida.” (Bertrand Russel, A autoridade e o indivíduo).

No mesmo sentido: “o homem que vive de acordo com sua renda está naturalmente contente com sua situação, a qual, por acúmulos contínuos, embora pequenos, melhora a cada dia. Consegue gradualmente relaxar tanto no rigor de sua parcimônia, quanto na severidade de sua dedicação; e percebe com satisfação dobrada este gradual aumento de conforto e deleite por ter experimentado antes as durezas que acompanham a falta deles” (Adam Smith, Teoria dos sentimentos morais).

Enfim, “a compreensão começa onde algo nos interpela” e “só alcança sua verdadeira possibilidade quando as opiniões prévias com as quais inicia não forem arbitrárias” (Hans-Georg Gadamer, Verdade e método I).

Ricardo Ehrensperger Ramos